A Mulher e os Saberes do Cuidar na Amazônia

Mulheres da Amazônia tem muito a nos ensinar, pois suas histórias de vida estão recheadas de conhecimento ancestral das nossas florestas amazônicas. As mulheres nas áreas rurais da Amazônia são em sua maioria mães, donas de casa, agricultoras, curandeiras, parteiras ou agentes de saúde; tendo uma rotina diária de muito cuidado para as famílias e comunidades, por meio de uma realidade do trabalho manual e pesado, com ausência de tempo para se cuidarem como merecem.

Foi dentro desse contexto que o Instituto 5 Elementos e a Casa do Rio estão oferecendo nesse 1º semestre de 2020 a formação Agenda 2030 – Saúde e Saberes das Mulheres do Careiro/AM, apoiada financeiramente  do Grupo de Trabalho da Sociedade Civil da AG2030, União Europeia e Associação Bem-Te-Vi Diversidade.

A divulgação, que começou em fevereiro tinha a seguinte chamada: “Se você mulher quer aprender a fazer sabonetes, cremes, pomadas, mascaras, xaropes, repelentes e outros produtos para cuidar da saúde e beleza utilizando as ervas da Amazônia venha participar desse curso”. Com 20 vagas, tivemos 35 inscritas, e alguns homens interessados. Ocorreu um processo de seleção, levando em consideração a distribuição delas pelo município e foram escolhidas 26 mulheres que participaram do 1º encontro que aconteceu nos dias 17, 18 e 19 de março na sede da Casa do Rio na cidade de Careiro Castanho com 6.092 km², localizado a 102 quilômetros de Manaus, na BR-319, que além das belezas naturais, tem como destaque o cultivo do cupuaçu. A agricultura e a pecuária são as principais atividades econômicas do município, que tem uma população estimada em 30 mil habitantes.

Professoras e 26 alunas do projeto Agenda 2030 – Saúde e Saberes das Mulheres de Careiro/AM

Na manhã do dia 17 a equipe do Instituto 5 Elementos Mônica Pilz Borba, pedagoga especialista em Educação Ambiental e Marta Schutzer Magalhães, fisioterapeuta especialista em medicina Ayurvedica e Fitoterapia e Thiago Cavalli Azambuja diretor institucional da Casa do Rio e equipe, recepcionaram as 26 participantes fazendo uma abertura geral. Mônica apresentou a contextualização da realização do projeto falando sobre as parcerias e sobre a Agenda 2030 e os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, assunto totalmente desconhecido para elas, porém demonstraram muito interesse e compreensão que essa ação local, está conectada a uma agenda global de conectividade para a construção de uma sociedade saudável e sustentável.

Professoras Marta e Mônica se apresentando para o grupo de participantes

Como estratégia de valorização do coletivo e da história de vida de cada uma das participantes, foi solicitado que formassem duplas com alguém que não conhecessem e se apresentassem contando sobre seu conhecimento das ervas da Amazônia e compartilhando se esse conhecimento proporcionou a cura de alguém. Para revelar essas histórias, uma apresentava a outra e aí tivemos um cenário de suas vidas e relatos de curas com a Andiroba, Cabacinha, Saião, Cebola, Boldo, folhas de Laranjeira, Jambú, Pinhão Branco, casca de Uxi, chá de Chicória, Mastruz, Cidreiras, Canafístula, Alfavaca, Saratudo, Babosa, Pluma, Hortelã, coração da Banana, folha de Melão de São Caetano, nomes populares das ervas medicinais utilizadas nessa região do Brasil.

Alunas se apresentando

Nessa tarde as professoras Mônica e Marta leram a lenda “Como surgiram as doenças”, que traz uma visão de um passado distante, onde todos – plantas, animais e humanos viviam em harmonia com a Natureza e se comunicavam em uma só língua e tinham o poder de se transformar no que quisessem. Com o  tempo porém, os humanos se afastaram da Natureza, e aí os animais enraivecidos criaram as doenças para castigar os humanos, e as plantas em estado de compaixão por alguns humanos de boa índole, inventou a cura, que tem como princípio a reconexão com a Natureza. A partir dessa inspiração Marta iniciou a apresentação das ervas medicinais, e de como utilizá-las de diferentes maneiras: chá, infusão, decocção, maceração alcoólica e oleosa, dentre outras. Demonstrando como se faz a maceração alcoólica de cravo e capim cidreira e de saião com hortelã; que serão utilizadas em nosso próximo encontro.

Ao valorizar as ervas da Amazônia estamos apoiando os 17 ODS, em especial o ODS 15 – VIDA TERRESTRE, que tem como foco proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de forma sustentável as florestas, combater a desertificação, deter e reverter a degradação da terra e deter a perda de biodiversidade.

 

Ervas medicinais trazidas pelas alunas

Todos os dias dos cursos foi oferecido café da manhã, almoço e lanche no final da tarde. Também foi distribuído caderno, apostila com todas as informações dos 3 dias do 1º encontro, camiseta e sacolas, além de apoio financeiro para locomoção das que moram nas comunidades rurais.

São pequenos detalhes que trazem o CUIDAR à tônica desse projeto, pois muitas mulheres comentaram que se sentiram valorizadas, que o material era “chique”, e que a apostila detalhada com receitas possibilitava que ficassem atentas às explicações, só anotando falas complementares.

Para potencializar a criação dessa rede de mulheres de Careiro conectadas à saúde e à beleza foi criado um grupo no whatsapp, onde compartilhamos todas as apresentações da formação.

No inicio do curso fizemos alguns combinados, dentre eles sobre a separação dos resíduos, ou seja, na Casa do Rio são separados os resíduos secos (papel, plástico, vidro e metal – limpos), que vão para a cooperativa de catadores, e os resíduos úmidos (restos de alimentos) que vão para a compostagem, e os rejeitos = lixo que vão para o aterro e é recolhido pela prefeitura. Para apoiar essa conduta de responsabilidade com os descartes foi distribuído adesivo com explicações desse tema. Muitas delas já tinham essa prática, mas muitas ainda não estavam conectadas a essas ações, e esse conteúdo foi ligado aos 17 ODS – ODS 12 CONSUMO E PRODUÇÃO RESPONSÁVEL.

Outra estratégia de valorização das mulheres e seus saberes foi solicitar que trouxessem mudas de ervas para compor a horta de ervas medicinal e também para compartilhar mudas com as colegas. Então, todos os dias foram chegando muitas ervas, que foram apresentadas compartilhando seus conhecimentos, que serão checadas pelas professoras, buscando seus nomes científicos e se há estudos mais profundos sobre seus princípios ativos e melhor forma de utilizar.

Na manhã do dia 18, a professora Marta continuou a apresentação sobre as ervas, demonstrando como se faz uma compressa de cúrcuma com gengibre para reduzir processos inflamatórios e dores articulares. Muitas participantes têm dores nas mãos e joelhos devido a idade e uso intenso dessas partes do corpo, então 5 voluntárias receberam essas compressas para que possam utilizar essa prática em seus cotidianos. Mesmo com idade avançada algumas destas mulheres seguem com trabalhos bastante pesados, suas mãos eram extremamente fortes e enrijecidas e ficou evidente que nunca recebem nenhum tipo de atenção ou tratamento. Era possível ver em seus rostos a expressão de gratidão por estarem recebendo alguma atenção, mesmo sendo algo tão singelo.

Demonstração de como fazer e utilizar compressas

Após o almoço exibimos um episódio da série “Um pé de que? Andiroba”, que nenhuma delas havia assistido. Essa sessão teve como objetivo valorizar uma das árvores curativas mais importantes da Amazônia. Seu óleo, conhecido como “azeite-de-andiroba”, é extraído das suas sementes e utilizado para a produção de: repelente de insetos, sabonetes e diversos tipos de pomadas e cremes. Possui ação antisséptica, cicatrizante e anti-inflamatória. O fruto é uma cápsula que se abre quando cai no chão, liberando de quatro a seis sementes. Floresce de agosto a outubro na Amazônia e frutifica de janeiro a maio.

Seu nome deriva de ãdi’roba, termo tupi que significa “óleo amargo”, é uma árvore de grande porte, que chega a atingir 30 metros de altura, com casca grossa, tem sabor amargo e desprende-se facilmente em grandes placas, possuindo aplicação na marcenaria, na carpintaria e na medicina popular.

Infelizmente, segundo o vídeo documentário os “homens brancos” ao consumirem os recursos naturais da Amazônia, não ouviram os saberes dos povos das florestas e não valorizaram o uso curativo da Andiroba, sendo entre 1820 a 1880 foi mais utilizado para produção de iluminação, fabricação de vela e sabonetes, mas hoje em dia vem sendo muito utilizado para a indústria de cosméticos e para inseticidas naturais.

Na sequencia a professora Marta ensinou como fazer um unguento – pomada utilizando o óleo da Andiroba com Copaíba, cera de abelha, açafrão da terra e própolis para cicatrização e hidratação da pela ressecada. Esse produto foi armazenado em pequenas embalagens de metal, com etiqueta do projeto, data de fabricação e distribuída a todas as participantes.

Produção e embalando unguento

Nessa mesma tarde professora Mônica fez uma apresentação com 12 Direitos das Mulheres da ONU, as desigualdades institucionalizadas nas religiões e políticas, ressaltando nesse processo histórico de luta iniciada na Europa pelas inglesas Mary Wortley Montagu (1689-1762) e Mary Wollstonecraft (1759-1797) e no Brasil por Nísia Floresta que defendia mais educação e uma posição social mais alta para as mulheres e lançou uma tradução livre da obra pioneira da feminista Mary Wollstonecraft “Direitos das mulheres e injustiça dos homens”, onde ela se utiliza do texto da inglesa e introduz suas próprias reflexões sobre a realidade brasileira. Também falou sobre o ano internacional da Mulher e a década da Mulher, trazendo avanços no Brasil, tais como: em 1827 foi permitido que as mulheres frequentassem as escolas, em 1879 recebem autorização do governo para cursar ensino superior, em 1932 ganham o direito ao voto, em 1985é fundada a 1ª delegacia especializada nos direitos das Mulheres, em 1988 Mulheres ganham direitos iguais aos dos Homens na constituição, em 2006 é sancionada a Lei Maria da Penha.

As participantes relataram que a situação de violência contra as mulheres em suas comunidades é constante, e que o sistema de proteção no município e Estado é fraco, pois os violadores são logo soltos e retornam aos seus lares, são aceitos pelas suas esposas e continuam a cometer essas infrações, não só com as mulheres, mas também muitas vezes abusando das crianças.

Frente a essa realidade também foi apresentado a politica estadual do Amazonas de proteção a Mulher, que tem sua estrutura na Secretaria de Estado de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania – Sejusc, sendo executada pela Secretaria Executiva de Políticas para as Mulheres – SEPM, criada em 2013, e tem por finalidade planejar, coordenar e articular a execução de políticas públicas para as mulheres, e os dispositivos de acesso as politicas de proteção a Mulher no estado tais como: aplicativo Alerta Mulher, idealizado pela Sejusc para que as vítimas sejam georeferenciadas e possam chamar a Polícia Militar caso o agressor esteja perto dela e o Acione socorro pelo 190, no momento da violência, ou denunciar casos através do 181, o Disque-Denúncia da Secretaria de Segurança Pública do Amazonas (SSP-AM).

Como desafio às mulheres participantes da formação a professora Mônica solicitou que entrassem em contato com a delegada Débora Mafra, titular da Delegacia Especializada em Crimes Contra a Mulher (DECCM), para verificar quais ações estão acontecendo efetivamente no município de Careiro/AM, além de informar sobre a nossa formação.

Essa temática despertou muito interesse das alunas e foi conectado aos 17 ODS, 5 – IGUALDADE DE GÊNERO, ao abordar a garantia ao acesso à educação de qualidade, profissionalização e emprego digno, em igualdade de condições; ao acesso fácil à informação e aos serviços de apoio e canais de denúncia de violências; à conhecer a efetivação da implementação da Lei Maria da Penha que protege crianças e adolescentes; do princípio da organização de atendimento público especializado para mulheres e vítimas de violência doméstica no SUS e da existência de orçamento adequado às políticas públicas e programas para prevenir e reduzir a violência de gênero e retomar investimentos para canais de denúncia a todas as formas de violência contra a mulher.

Na manhã do 3º dia chovia muito e iniciamos com a demonstração de como fazer água de babosa, que após o seu resfriamento foi misturado pó de açaí para fazer máscaras para o rosto. Todas puderam experimentar e usufruir deste momento destinado ao auto-cuidado e beleza, contribuindo para um clima muito amistoso e divertido.

Alunas experimentando mascara de água de Babosa com Açaí

Quando a chuva parou fomos até a horta e o técnico agrícola da Casa do Rio José Carlos ensinou como montar um canteiro num solo degradado, revolvendo a terra e agregando calcário, terra adubada ou composto, cinzas e cobertura seca, fazendo uma demonstração in loco, contando com a participação de algumas delas, pois a maior parte do canteiro já estava pronto para plantar.

Para agilizar o processo de plantio das ervas, cada uma delas escolheu uma ou mais ervas, pegou a muda e verificou onde plantar observando o mapa da horta. Esse mapa foi elaborado para determinar onde deveria ser plantada cada erva, pois algumas ervas têm que ficar longe de outras para terem um bom desenvolvimento, além de respeitar o tamanho que irão ficar ao crescerem.

E foi assim que aconteceu o mutirão do plantio das 35ervas na horta medicinal trazidas pelas alunas, sendo elas: Açafrão da Terra – Cúrcuma, Alecrim de caboclo, Alfavaca – manjericão de folha larga, Amor Crescido, Aranto – Calanchoé – Mãe de milhares, Babosa, Capeba, Catinga de Mulata, Cidreira capim, Cidreira folha, Cipó Alho, Corama – Saião, Erva de Jabuti, Gengibre – Mangarataia, Ginseng, Guagiru, Jambú, Japana roxa, Hortelã malvarisco, Hortelã, Manjericão, Mil Folhas – Pluma, Mirra, Mucura Caa, Mutuquinha fêmea, Mutuquinha macho, Óleo elétrico – Paquilé, Palmeirinha tinge ovo, Pião Branco, Quebra Pedra, Salva de Marajó, Sara tudo, Urubú-Caá – Mil homens, Vassourinha doce e Vinagreira. Para captar essas imagens a Casa do Rio filmou com um drone a nossa atuação.

Coletivo de mulheres plantando a horta de ervas medicinais na Casa do Rio

 

Alunas da formação Agenda 2030 – Saúde e Saberes das Mulheres de Careiro/AM

À tarde vimos do desenho animado Abuela Grillo que aborda e temática da água, sendo um conto milenar do povo Ayoreo, da Bolívia. Dizem eles que, no principio, havia uma avó, que era um grilo chamado Direjná. Ela era a dona da água e, por onde quer que ela passasse com seu canto de amor, a água brotava. Um dia, os netos pediram que ela fosse embora e ela partiu, triste. Mas, à medida em que ia sumindo, também a água ia embora. Nesse vídeo, a história se atualiza e na sua viagem para lugar nenhum, a avó é encontrada pelos empresários que a aprisionam e a obrigam a fazer a água cair apenas nos seus caminhões-pipa. Então, eles vendem a água. O povo passa necessidade e sofre. Esse desenho animado representa a poderosa luta dos povos originários contra a mercantilização da natureza.

E também foi mostrada outra animação “Como as arvores conversam entre si – uma rede de conexões subterrânea”, sendo baseada em observações e experiências científicas, onde ao analisar o solo em que as árvores vivem, os cientistas descobriram que há uma espécie de rede subterrânea de fungos que conecta as árvores que estão próximas – uma espécie de internet vegetal. Por meio dessa rede, as plantas trocam nutrientes e mensagens de alerta, por exemplo, quando se sentem ameaçadas. Em 1997, Suzanne Simard, da Universidade de British Columbia, mostrou que havia uma transferência de carbono por micélio entre o abeto de Douglas (uma árvore conífera) e uma bétula. Mas, assim como a internet, essa rede também tem seu lado obscuro e, por meio dela, uma planta pode sabotar a outra, por exemplo, roubando nutrientes. Em 2010, Ren Sem Zeng, da Universidade de Guangzhou, observou que algumas plantas trocavam informações para combater espécies invasoras e, em 2013, David Johnson, da Universidade de Aberdeen, na Escócia, detectou comportamento parecido em favas.

Foi a partir dessas animações que trouxemos a discussão sobre a mercantilização da natureza dentro do contexto amazônico, ressaltando a importância da força do coletivo e de sua conexão com a natureza. Sendo mais do que nunca, o respeito às tradições e ao conhecimento dos povos que habitam o território e o utilizam sem degradá-lo, algo fundamental para a construção de uma sociedade sustentável.

E mais uma vez fizemos a conexão desses assuntos com os 17 ODS, realizando o Jogo dos ODS, destacando os ODS 3 – SAUDE E BEM ESTAR, ODS 4 – EDUCAÇÃO DE QUALIDADE, ODS 5 – IGUALDADE DE GENERO, ODS 15 – VIDA TERRESTRE, que foram fixados na parede, e elas em pequenos grupos recebiam pequenos cartazes com frases que tinham que ser conectadas aos ODS, colando-os na parede próximo ao ODS, aprofundando e facilitando o entendimento das metas de cada objetivo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 




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